[1]RAMOS, Rowayne Soares.
[2]OLIVEIRA, Ana Arlinda.
Resumo: Este artigo aborda a linguagem humana, destacando,
conforme a teoria de Vygotsky, a relação existente entre pensamento e palavra,
a interação entre o bebê e o sujeito falante, enfatizando a fala egocêntrica, interior
e social, nas concepções de Piaget e Vygotsky. Partindo de uma leitura
analítica e reflexiva do Livro Linguagem e Pensamento do autor citado. A relação
entre linguagem e pensamento para Vygotsky é de suma importância para as
relações culturais e sociais do sujeito em sua vivência com o mundo exterior e
interior do processo de aquisição da linguagem.
Palavras-chave: Linguagem. Pensamento. Palavra. Teoria
sociointeracionista.
1. Introdução
A
criança, desde o seu nascimento, é imersa em um mundo social, onde toda a atividade
humana é mediada pela linguagem. Através de sua interação com o mundo, a criança,
gradativamente, vai apropriando-se da linguagem em suas relações com os objetos
e com o outro, seja criança ou adulto. Quando nasce, o bebê encontra um mundo
de linguagem, onde a mãe fala com ele e fala com os demais na presença dele.
Desta forma, quando o bebê começa a falar é como outro que ele se refere,
dizendo: “ele quer...”, “o nenê gosta...”. Este processo é nomeado por Lacan,
como “alienação”, é preciso alienar-se no desejo e nas palavras de outra
pessoa para poder ter existência simbólica. Portanto, para o bebê poder falar
por si mesmo, tendo seu “eu” como sujeito de seu enunciado, primeiramente, a
linguagem vai habitá-lo através das palavras que o envolvem e após, ele terá a
ilusão de dominá-la. Também será necessária a separação que desalienará o nenê
do saber e das palavras da mãe, para que ela tenha uma existência simbólica
própria.
Os
pais se admiram a cada vez que têm o privilégio de acompanhar de perto as primeiras
vocalizações do bebê, seus balbucios e fragmentos de enunciados, reconhecendo parte
de suas próprias falas. Desta forma, a aquisição da linguagem é um fenômeno que
se repete em cada ser. Na convivência com a família, o bebê recebe a
transmissão de uma língua, junto com as normas, tradições e costumes da
comunidade, do contexto em que está inserido. Pode-se afirmar que a função que
a linguagem cumpre no desenvolvimento do ser
humano é algo
insubstituível. Como coloca Jerusalinsky:
Se bem que a criatura humana nasça com uma
disposição na sua aparelhagem
orgânica para funcionar no campo da
linguagem, ela não nasce coma a linguagem
pré-estabelecida. Ela nasce sim, tanto com
a disposição como também com a
necessidade imperiosa de funcionar nesse
campo. Não há nada no organismo
humano que venha a suprir a função
imprescindível que a linguagem cumpre
(2002, p.9).
A relação do sujeito com a
realidade se faz sempre mediada pelo outro, através da linguagem.
Vygotsky
considera a linguagem como constituidora das funções mentais superiores, sendo
que o conhecimento é adquirido nas relações entre as pessoas, através da
linguagem e da interação social. Sendo assim, Vygotsky acredita que é no
significado da palavra que o sujeito encontra as respostas referentes às
questões sobre pensamento e fala.
Seguindo esta teoria, é
valido questionar: Como se dá este processo de aquisição da linguagem na
criança? Qual é a relação da palavra com o pensamento?
Para obter respostas para
estas questões, busquei auxilio na teoria de Vygotsky sobre pensamento,
aquisição e desenvolvimento da linguagem.
2. Quem foi Vygotsky
Lev
Semyonovitch Vygotsky nasceu a 5 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, no
nordeste de Minsk, na Bielo-Russia. Em 1917, após graduar-se na Universidade de
Moscou, com especialização em Literatura, começou sua pesquisa literária. De 1917 a 1923 lecionou
literatura e psicologia numa escola em Gomel. Em 1924 mudou-se para Moscou, trabalhando
no Instituto de Psicologia e no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele
criado. Entre 1925 e 1934, reuniu em torno de si um grande grupo de jovens
cientistas que trabalhavam na área de psicologia e no estudo das anormalidades
físicas e mentais. Dr. Em Educação e Desenvolvimento Humano; Psicólogo
Especialista em
Psicologia Clínica.
O
interesse pela medicina fez com que realizasse o curso. Um pouco antes de sua morte,
foi convidado para dirigir o departamento de Psicologia do Instituto Soviético
de Medicina Experimental. Entre suas principais obras destaca-se: “A Formação
Social da Mente”, “Linguagem, Desenvolvimento e Linguagem” e “Pensamento e
Palavra”. Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças.
Ao lado de colaboradores
como Leontiev e Luria, apresenta-nos conceitos importantes para a aprendizagem
e a psicologia. Vygotsky sempre considerou o homem inserido na sociedade e,
desta forma, sua abordagem foi orientada para os processos de desenvolvimento
do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do sujeito
com o outro no espaço social.
Suas maiores contribuições
estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a
aprendizagem em sociedade e o desenvolvimento do pensamento e da linguagem. Vygotsky
morreu de Tuberculose, em 11 de junho de 1934, deixando importante contribuição
para a psicologia e a aprendizagem.
3. As relações entre
Pensamento e Linguagem
No
livro “Pensamento e Linguagem”, Vygotsky apresenta uma argumentação elaborada,
demonstrando que a Linguagem é um processo pessoal ao mesmo tempo em que é um
processo social. Assim, a fala humana é o comportamento do uso de signos mais importante
ao longo do desenvolvimento da espécie humana. Através dela, a criança supera
as limitações existentes em seu ambiente, controlando o próprio comportamento.
Na
psicologia existem vertentes diferentes que explicam a aquisição da linguagem, sendo
que umas defendem que a linguagem é inata, já nasce com o bebê e outras, que
ela é aprendida no meio, na interação com o ambiente e as pessoas.
Para
Chomsky “A aquisição da Língua se parece muito com o crescimento dos órgãos em
geral; é algo que acontece com a criança e não algo que a criança faz” (1998, p.23).
Inatista, Chomsky acredita que a mente já vem dotada de uma estrutura propensa
a adquirir saberes, sendo a aquisição da linguagem uma parte específica do
processo de aquisição do conhecimento. O autor afirma que através da linguagem
o ser humano consegue expor o pensamento e comunicar-se, diferenciando-se assim
dos outros seres vivos.
Chomsky
ressalta que a criança nasce com as condições de aprender línguas, com o órgão
da linguagem embutido no sistema nervoso central. Para ele, embora o meio
ambiente importe, influenciando no processo da linguagem, o curso geral do
desenvolvimento e os traços básicos são pré-determinados pelo estado inicial. A
criança não aprende uma língua, ela a desenvolve e todo ser humano considerado
normal é capaz de desenvolver qualquer língua natural (humana). Sua teoria é
confrontada com a de Skinner, que alega que a linguagem é essencialmente uma
questão de aprendizagem, no sentido específico de aquisição pela mente, através
de um sistema exterior.
Vygotsky,
ao contrário, acredita que a aquisição da linguagem na criança se dá devido à
interação que a mesma possui com o ambiente que a rodeia e o convívio com
outros da espécie. A linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento
adquirido pela criança, entre pensamento e palavra existe uma inter-relação
fundamental, em que a linguagem tem papel essencial na formação do pensamento e
do caráter do indivíduo.
Pode-se
considerar a linguagem como um instrumento complexo que viabiliza a comunicação
e a vida em sociedade.
Sem ela, o ser humano não é social, nem cultural. Para o
autor, pensamento e linguagem têm origens diferentes. Inicialmente (no inicio da
vida humana), o pensamento não é verbal e a fala não é intelectual. Desta
maneira, o balbucio e o choro da criança nos primeiros meses de vida são
estágios do desenvolvimento da fala que não têm relação com a evolução do
pensamento, sendo consideradas como manifestações de comportamento emocional.
As risadas, os sons inarticulados e os gestos são meios que o bebê dispõe de
contato social a partir do nascimento. Embora pensamento e linguagem tenham
raízes diversas (genéticas do pensamento e da linguagem), há no desenvolvimento
da criança um período considerado como prélinguístico do pensamento e um
período pré-intelectual da fala.
Vygotsky
ressalta que a descoberta mais importante da vida da criança acontece por volta
dos dois anos de idade, quando as curvas da evolução do pensamento e da fala se
cruzam e unem-se para formar uma nova forma de comportamento, surgindo assim a fala
racional ou pensamento verbal. Neste período a criança percebe que cada
coisa tem um nome, um signo, um significado. A curiosidade desperta e a criança
desenvolve seu vocabulário.
Desta
forma, “É no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento
verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as respostas às nossas questões
sobre a relação entre o pensamento e a fala”. (Vygotsky, 2005, p. 5).
O
significado é parte integrante da palavra, pertencendo ao domínio da linguagem
e ao domínio do pensamento, pois uma palavra sem significado é um som vazio. A
relação entre pensamento e palavra é um processo vivo; o pensamento nasce através
das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um
pensamento não expresso por palavras, permanece uma sombra. A relação entre eles
não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento
e também se modifica (2005, p.190).
A
função da linguagem é a comunicação combinada com o pensamento, a comunicação
permite a interação social e organiza o pensamento. No desenvolvimento humano,
a aquisição da linguagem passa por diversas fases: a linguagem social, a
linguagem egocêntrica e a linguagem interior: a social tem a função de comunicar,
sendo a primeira linguagem que surge; a egocêntrica e a interior estão intimamente
ligadas ao pensamento.
4. Fala Egocêntrica nas concepções de Piaget e
Vygotsky
Em
relação à fala egocêntrica, Vygotsky e Piaget discordam em vários aspectos: Na
concepção de Piaget, em sua fala egocêntrica, a criança não se adapta ao pensamento
do adulto, sendo que seu pensamento permanece totalmente egocêntrico, tornando
sua conversa incompreensível para os outros. Desta forma, a criança não tenta
se comunicar, apenas faz comentários em voz alta do que está fazendo. Esta é
uma fala que não apresenta função útil.
As
observações sistemáticas de Piaget quanto ao uso da linguagem pela criança, definem
que as conversas das crianças podem ser divididas e classificadas em dois
grupos: o egocêntrico e o socializado. Desta forma, a fala egocêntrica se
assemelha a um monólogo, a criança só fala de si própria, sem interesse por
interlocutor, não espera resposta, pois não está querendo comunicar-se e não se
preocupa se alguém a está ouvindo. Já na fala socializada há a tentativa de
estabelecer diálogo, a criança transmite informações e questiona.
Para
Piaget, a fala egocêntrica deriva da socialização insuficiente da fala e
desaparece (se atrofia) na idade escolar, por volta dos sete ou oito anos. Na
concepção de Vygotsky, a fala egocêntrica é “Um fenômeno de transição das funções
interpsíquicas para as intrapsíquicas, isto é, da atividade social e coletiva
da criança para a sua atividade mais individualizada” (2005, p.166). A fala
egocêntrica tem um papel importante na atividade da criança, sendo que e o
curso do desenvolvimento do pensamento vai do social para o individual. Temos
então duas linhas de pensamento referente à fala egocêntrica: Na visão de
Piaget a fala social é subseqüente à fala egocêntrica e a fala egocêntrica então
desaparece:
FALA EGOCÊNTRICA → FALA
SOCIAL → DESAPARECIMENTO
Na visão de Vygotsky, o
desenvolvimento evolui da fala social para a egocêntrica, sendo que a fala mais
primitiva do ser humano é a fala social e o desenvolvimento do pensamento vai
do social para o individual. Desta forma a fala egocêntrica transforma-se em fala
interior.
FALA SOCIAL → FALA
EGOCÊNTRICA → FALA INTERIOR
Sendo um instrumento do
pensamento, a linguagem apresenta além das características da fala externa
(discurso), a possibilidade da existência da fala interior, que acontece quando
o sujeito consigo mesmo,
volta-se para o pensamento, exercitando suas funções psicológicas.
O
declínio da fala egocêntrica representa que a criança abstraindo o som da fala,
adquire capacidade para raciocinar e pensar as palavras, sem precisar
verbalizá-las, o que representa a fala interior. Portanto, a fala interior
surge após a fala egocêntrica, quando as palavras passam a ser pensadas, sem
que obrigatoriamente sejam ditas.
5. Conclusão
A
função primordial da fala, conforme Vygotsky é o contato social, sendo que a vivência
em sociedade é essencial para o ser humano. O desenvolvimento da linguagem é
impulsionado pela necessidade que o sujeito tem de comunicar-se com o ambiente
e os outros seres da espécie. Desta forma, quando a criança chora, balbucia ou
dá risada, está criando um meio de contato com o outro além de obter um alivio
emocional.
Quanto
à questão da fala egocêntrica, nota-se que Piaget e Vygotsky discordam em vários
aspectos, do surgimento até o desaparecimento. Mas há também uma concordância entre
os dois autores referente a este tipo de fala: a fala egocêntrica caracteriza
uma fase especial do desenvolvimento da criança, representando uma forma
específica de orientação social. Se a linguagem é matéria do pensamento e
também o elemento da comunicação social, pode-se afirmar que não há sociedade
sem comunicação e consequentemente, sem linguagem.
A
linguagem é constituída a partir da sociedade humana, sendo um produto social, nascido
da necessidade que o ser humano tem de comunicar-se com seus semelhantes. A
criança nasce inserida em um mundo de linguagem, um universo repleto de simbolização.
O contato com o adulto, que nomeia os objetos, estabelece relações e situações irão
auxiliá-la na construção de significados. As experiências do cotidiano oferecem
elementos para a criança organizar seu pensamento, interagir com o meio e
realizar suas próprias escolhas.
Vygotsky
defende a idéia de que onde houver linguagem há relação entre sujeitos e as nossas
funções psicológicas superiores são adquiridas pela convivência com o outro. A
transição entre pensamento e palavra passa pelo significado Neste processo, a linguagem
de função social, é o sistema simbólico de todos os seres humanos, sendo mediadora
do sujeito e o objeto de conhecimento.
Referências
BERNARDINO, L. M. F.
(Org.). O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança, sujeito em constituição. In:
A Abordagem psicanalítica do desenvolvimento infantil e suas vicissitudes.São
Paulo: Escuta, 2006.
CHOMSKY, Noam. Linguagem
e Mente. Brasília: Editora da UnB, 1998.
VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. Tradução
José Cipolla Neto,
Luis S. M. Barreto e
Solange C. Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
_________________ . Pensamento e
Linguagem. Tradução Jeferson L. Camargo.
São Paulo: Martins Fontes,
1993.
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