PENSAMENTO E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM: UMA REFLEXÃO DA TEORIA DE VYGOTSKY

22 de agosto de 2011


[1]RAMOS, Rowayne Soares.
[2]OLIVEIRA, Ana Arlinda.

Resumo: Este artigo aborda a linguagem humana, destacando, conforme a teoria de Vygotsky, a relação existente entre pensamento e palavra, a interação entre o bebê e o sujeito falante, enfatizando a fala egocêntrica, interior e social, nas concepções de Piaget e Vygotsky. Partindo de uma leitura analítica e reflexiva do Livro Linguagem e Pensamento do autor citado. A relação entre linguagem e pensamento para Vygotsky é de suma importância para as relações culturais e sociais do sujeito em sua vivência com o mundo exterior e interior do processo de aquisição da linguagem.

Palavras-chave: Linguagem. Pensamento. Palavra. Teoria sociointeracionista.

1. Introdução

A criança, desde o seu nascimento, é imersa em um mundo social, onde toda a atividade humana é mediada pela linguagem. Através de sua interação com o mundo, a criança, gradativamente, vai apropriando-se da linguagem em suas relações com os objetos e com o outro, seja criança ou adulto. Quando nasce, o bebê encontra um mundo de linguagem, onde a mãe fala com ele e fala com os demais na presença dele. Desta forma, quando o bebê começa a falar é como outro que ele se refere, dizendo: “ele quer...”, “o nenê gosta...”. Este processo é nomeado por Lacan, como “alienação”, é preciso alienar-se no desejo e nas palavras de outra pessoa para poder ter existência simbólica. Portanto, para o bebê poder falar por si mesmo, tendo seu “eu” como sujeito de seu enunciado, primeiramente, a linguagem vai habitá-lo através das palavras que o envolvem e após, ele terá a ilusão de dominá-la. Também será necessária a separação que desalienará o nenê do saber e das palavras da mãe, para que ela tenha uma existência simbólica própria.
Os pais se admiram a cada vez que têm o privilégio de acompanhar de perto as primeiras vocalizações do bebê, seus balbucios e fragmentos de enunciados, reconhecendo parte de suas próprias falas. Desta forma, a aquisição da linguagem é um fenômeno que se repete em cada ser. Na convivência com a família, o bebê recebe a transmissão de uma língua, junto com as normas, tradições e costumes da comunidade, do contexto em que está inserido. Pode-se afirmar que a função que a linguagem cumpre no desenvolvimento do ser
humano é algo insubstituível. Como coloca Jerusalinsky:

Se bem que a criatura humana nasça com uma disposição na sua aparelhagem
orgânica para funcionar no campo da linguagem, ela não nasce coma a linguagem
pré-estabelecida. Ela nasce sim, tanto com a disposição como também com a
necessidade imperiosa de funcionar nesse campo. Não há nada no organismo
humano que venha a suprir a função imprescindível que a linguagem cumpre
(2002, p.9).

A relação do sujeito com a realidade se faz sempre mediada pelo outro, através da linguagem.
Vygotsky considera a linguagem como constituidora das funções mentais superiores, sendo que o conhecimento é adquirido nas relações entre as pessoas, através da linguagem e da interação social. Sendo assim, Vygotsky acredita que é no significado da palavra que o sujeito encontra as respostas referentes às questões sobre pensamento e fala.
Seguindo esta teoria, é valido questionar: Como se dá este processo de aquisição da linguagem na criança? Qual é a relação da palavra com o pensamento?
Para obter respostas para estas questões, busquei auxilio na teoria de Vygotsky sobre pensamento, aquisição e desenvolvimento da linguagem.

2. Quem foi Vygotsky

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu a 5 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, no nordeste de Minsk, na Bielo-Russia. Em 1917, após graduar-se na Universidade de Moscou, com especialização em Literatura, começou sua pesquisa literária. De 1917 a 1923 lecionou literatura e psicologia numa escola em Gomel. Em 1924 mudou-se para Moscou, trabalhando no Instituto de Psicologia e no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele criado. Entre 1925 e 1934, reuniu em torno de si um grande grupo de jovens cientistas que trabalhavam na área de psicologia e no estudo das anormalidades físicas e mentais. Dr. Em Educação e Desenvolvimento Humano; Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica.
O interesse pela medicina fez com que realizasse o curso. Um pouco antes de sua morte, foi convidado para dirigir o departamento de Psicologia do Instituto Soviético de Medicina Experimental. Entre suas principais obras destaca-se: “A Formação Social da Mente”, “Linguagem, Desenvolvimento e Linguagem” e “Pensamento e Palavra”. Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças.
Ao lado de colaboradores como Leontiev e Luria, apresenta-nos conceitos importantes para a aprendizagem e a psicologia. Vygotsky sempre considerou o homem inserido na sociedade e, desta forma, sua abordagem foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do sujeito com o outro no espaço social.
Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em sociedade e o desenvolvimento do pensamento e da linguagem. Vygotsky morreu de Tuberculose, em 11 de junho de 1934, deixando importante contribuição para a psicologia e a aprendizagem.


3. As relações entre Pensamento e Linguagem

No livro “Pensamento e Linguagem”, Vygotsky apresenta uma argumentação elaborada, demonstrando que a Linguagem é um processo pessoal ao mesmo tempo em que é um processo social. Assim, a fala humana é o comportamento do uso de signos mais importante ao longo do desenvolvimento da espécie humana. Através dela, a criança supera as limitações existentes em seu ambiente, controlando o próprio comportamento.
Na psicologia existem vertentes diferentes que explicam a aquisição da linguagem, sendo que umas defendem que a linguagem é inata, já nasce com o bebê e outras, que ela é aprendida no meio, na interação com o ambiente e as pessoas.
Para Chomsky “A aquisição da Língua se parece muito com o crescimento dos órgãos em geral; é algo que acontece com a criança e não algo que a criança faz” (1998, p.23). Inatista, Chomsky acredita que a mente já vem dotada de uma estrutura propensa a adquirir saberes, sendo a aquisição da linguagem uma parte específica do processo de aquisição do conhecimento. O autor afirma que através da linguagem o ser humano consegue expor o pensamento e comunicar-se, diferenciando-se assim dos outros seres vivos.
Chomsky ressalta que a criança nasce com as condições de aprender línguas, com o órgão da linguagem embutido no sistema nervoso central. Para ele, embora o meio ambiente importe, influenciando no processo da linguagem, o curso geral do desenvolvimento e os traços básicos são pré-determinados pelo estado inicial. A criança não aprende uma língua, ela a desenvolve e todo ser humano considerado normal é capaz de desenvolver qualquer língua natural (humana). Sua teoria é confrontada com a de Skinner, que alega que a linguagem é essencialmente uma questão de aprendizagem, no sentido específico de aquisição pela mente, através de um sistema exterior.
Vygotsky, ao contrário, acredita que a aquisição da linguagem na criança se dá devido à interação que a mesma possui com o ambiente que a rodeia e o convívio com outros da espécie. A linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento adquirido pela criança, entre pensamento e palavra existe uma inter-relação fundamental, em que a linguagem tem papel essencial na formação do pensamento e do caráter do indivíduo.
Pode-se considerar a linguagem como um instrumento complexo que viabiliza a comunicação e a vida em sociedade. Sem ela, o ser humano não é social, nem cultural. Para o autor, pensamento e linguagem têm origens diferentes. Inicialmente (no inicio da vida humana), o pensamento não é verbal e a fala não é intelectual. Desta maneira, o balbucio e o choro da criança nos primeiros meses de vida são estágios do desenvolvimento da fala que não têm relação com a evolução do pensamento, sendo consideradas como manifestações de comportamento emocional. As risadas, os sons inarticulados e os gestos são meios que o bebê dispõe de contato social a partir do nascimento. Embora pensamento e linguagem tenham raízes diversas (genéticas do pensamento e da linguagem), há no desenvolvimento da criança um período considerado como prélinguístico do pensamento e um período pré-intelectual da fala.
Vygotsky ressalta que a descoberta mais importante da vida da criança acontece por volta dos dois anos de idade, quando as curvas da evolução do pensamento e da fala se cruzam e unem-se para formar uma nova forma de comportamento, surgindo assim a fala racional ou pensamento verbal. Neste período a criança percebe que cada coisa tem um nome, um signo, um significado. A curiosidade desperta e a criança desenvolve seu vocabulário.
Desta forma, “É no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre o pensamento e a fala”. (Vygotsky, 2005, p. 5).
O significado é parte integrante da palavra, pertencendo ao domínio da linguagem e ao domínio do pensamento, pois uma palavra sem significado é um som vazio. A relação entre pensamento e palavra é um processo vivo; o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras, permanece uma sombra. A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica (2005, p.190).
A função da linguagem é a comunicação combinada com o pensamento, a comunicação permite a interação social e organiza o pensamento. No desenvolvimento humano, a aquisição da linguagem passa por diversas fases: a linguagem social, a linguagem egocêntrica e a linguagem interior: a social tem a função de comunicar, sendo a primeira linguagem que surge; a egocêntrica e a interior estão intimamente ligadas ao pensamento.


4.  Fala Egocêntrica nas concepções de Piaget e Vygotsky

Em relação à fala egocêntrica, Vygotsky e Piaget discordam em vários aspectos: Na concepção de Piaget, em sua fala egocêntrica, a criança não se adapta ao pensamento do adulto, sendo que seu pensamento permanece totalmente egocêntrico, tornando sua conversa incompreensível para os outros. Desta forma, a criança não tenta se comunicar, apenas faz comentários em voz alta do que está fazendo. Esta é uma fala que não apresenta função útil.
As observações sistemáticas de Piaget quanto ao uso da linguagem pela criança, definem que as conversas das crianças podem ser divididas e classificadas em dois grupos: o egocêntrico e o socializado. Desta forma, a fala egocêntrica se assemelha a um monólogo, a criança só fala de si própria, sem interesse por interlocutor, não espera resposta, pois não está querendo comunicar-se e não se preocupa se alguém a está ouvindo. Já na fala socializada há a tentativa de estabelecer diálogo, a criança transmite informações e questiona.
Para Piaget, a fala egocêntrica deriva da socialização insuficiente da fala e desaparece (se atrofia) na idade escolar, por volta dos sete ou oito anos. Na concepção de Vygotsky, a fala egocêntrica é “Um fenômeno de transição das funções interpsíquicas para as intrapsíquicas, isto é, da atividade social e coletiva da criança para a sua atividade mais individualizada” (2005, p.166). A fala egocêntrica tem um papel importante na atividade da criança, sendo que e o curso do desenvolvimento do pensamento vai do social para o individual. Temos então duas linhas de pensamento referente à fala egocêntrica: Na visão de Piaget a fala social é subseqüente à fala egocêntrica e a fala egocêntrica então desaparece:

FALA EGOCÊNTRICA → FALA SOCIAL → DESAPARECIMENTO
Na visão de Vygotsky, o desenvolvimento evolui da fala social para a egocêntrica, sendo que a fala mais primitiva do ser humano é a fala social e o desenvolvimento do pensamento vai do social para o individual. Desta forma a fala egocêntrica transforma-se em fala interior.

FALA SOCIAL → FALA EGOCÊNTRICA → FALA INTERIOR
Sendo um instrumento do pensamento, a linguagem apresenta além das características da fala externa (discurso), a possibilidade da existência da fala interior, que acontece quando
o sujeito consigo mesmo, volta-se para o pensamento, exercitando suas funções psicológicas.
O declínio da fala egocêntrica representa que a criança abstraindo o som da fala, adquire capacidade para raciocinar e pensar as palavras, sem precisar verbalizá-las, o que representa a fala interior. Portanto, a fala interior surge após a fala egocêntrica, quando as palavras passam a ser pensadas, sem que obrigatoriamente sejam ditas.

5. Conclusão

A função primordial da fala, conforme Vygotsky é o contato social, sendo que a vivência em sociedade é essencial para o ser humano. O desenvolvimento da linguagem é impulsionado pela necessidade que o sujeito tem de comunicar-se com o ambiente e os outros seres da espécie. Desta forma, quando a criança chora, balbucia ou dá risada, está criando um meio de contato com o outro além de obter um alivio emocional.
Quanto à questão da fala egocêntrica, nota-se que Piaget e Vygotsky discordam em vários aspectos, do surgimento até o desaparecimento. Mas há também uma concordância entre os dois autores referente a este tipo de fala: a fala egocêntrica caracteriza uma fase especial do desenvolvimento da criança, representando uma forma específica de orientação social. Se a linguagem é matéria do pensamento e também o elemento da comunicação social, pode-se afirmar que não há sociedade sem comunicação e consequentemente, sem linguagem.
A linguagem é constituída a partir da sociedade humana, sendo um produto social, nascido da necessidade que o ser humano tem de comunicar-se com seus semelhantes. A criança nasce inserida em um mundo de linguagem, um universo repleto de simbolização. O contato com o adulto, que nomeia os objetos, estabelece relações e situações irão auxiliá-la na construção de significados. As experiências do cotidiano oferecem elementos para a criança organizar seu pensamento, interagir com o meio e realizar suas próprias escolhas.
Vygotsky defende a idéia de que onde houver linguagem há relação entre sujeitos e as nossas funções psicológicas superiores são adquiridas pela convivência com o outro. A transição entre pensamento e palavra passa pelo significado Neste processo, a linguagem de função social, é o sistema simbólico de todos os seres humanos, sendo mediadora do sujeito e o objeto de conhecimento.

Referências

BERNARDINO, L. M. F. (Org.). O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança, sujeito em constituição. In: A Abordagem psicanalítica do desenvolvimento infantil e suas vicissitudes.São Paulo: Escuta, 2006.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e Mente. Brasília: Editora da UnB, 1998.

VYGOTSKY, L. S.   A formação Social da Mente.   Tradução   José Cipolla Neto,
         Luis S. M. Barreto e Solange C. Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

_________________ . Pensamento e Linguagem. Tradução Jeferson L. Camargo.
         São Paulo: Martins Fontes, 1993.   


[1] Mestrando em Educação – PPGE/UFMT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Leitura e Letramento

[2] Orientadora - Professora Pós-Doutora em Educação – PPGE/UFMT

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