A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL NO CONTEXTO PENITENCIÁRIO

9 de setembro de 2011


A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL NO CONTEXTO PENITENCIÁRIO: Uma experiência com jovens e adultos em privação de liberdade e seus alfabetizadores


[1] Ramos, Rowayne S.
[2] OLIVEIRA, Ana A.

INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo a exigência para a integração do homem em uma sociedade grafocêntrica é a de ser letrado. Porém, essa exigência não se limita à capacidade de ler e escrever, de ser alfabetizado, mas a de ser capaz de fazer uso autônomo dessas habilidades nas diversas práticas sociais. No trabalho, nos bancos, hospitais, lojas comerciais, instituições públicas (penitenciárias e outras da execução penal) e, mesmo em casa, as atividades passaram, necessariamente, a ser mediadas por instrumentos eletrônicos, exigindo assim, uma forma de relacionamento com a leitura e a escrita para atender a essas novas exigências na sociedade, que são colocadas com o crescente desenvolvimento e utilização das tecnologias modernas em todos os setores da sociedade.

Sabemos que o jovem e adulto encontram muita dificuldade de exercer a leitura e a escrita em sua primeira fase escolar, bem como em uma unidade escolar que funciona em uma instituição de execução penal (presídio). Nessa fase, deparamo-nos com jovens e adultos que se encontram fora de sala de aula há vários anos e que retomaram seus estudos somente após estar em uma prisão e ainda, com mais incidência, alunos que nunca freqüentaram uma sala de aula. Porém, diante das necessidades do mundo moderno, a escola precisa dar respostas a esses alunos, que embora estejam privados de liberdade, mas não do direito à educação, em oferecer-lhes práticas de leitura e escrita, que os preparem para essas exigências da sociedade.
Na última década a Educação de Jovens e Adultos tem sido alvo de reflexão para muitos pesquisadores, o que tem proporcionado aos educadores que trabalham nessa área reavaliarem suas práticas. Entretanto, ainda perduram dificuldades por parte dos educadores em relação à questão de como trabalhar com sucesso a leitura e a escrita. Foram baseadas nisto e na experiência como educador no contexto penitenciário há mais de 08 anos e trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos em prisões, no município de Cuiabá/MT, que procuramos desenvolver esta pesquisa abordando as concepções de alfabetização e letramento: a leitura como prática social na Educação de Jovens e Adultos em privação de liberdade.
Pesquisas a respeito dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita vêm comprovando que a estratégia necessária para um indivíduo se alfabetizar não é a memorização, mas a reflexão sobre leitura e escrita. Essa constatação pôs a prova uma antiga crença, n qual a escola apoiava suas práticas de ensino, e desencadeou uma revolução conceitual, uma mudança de paradigma. E o letramento surge, segundo Magda Soares (2003, 67) com a concepção “Não basta saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente.
E nós professores precisamos estar atentos para estas mudanças, no intuito de facilitar o processo de ensino aprendizagem. Qual o estudante inicial que não se sente coagido ao ser solicitado que se expresse através da escrita ou da leitura? Nós professores presenciamos constantemente, durante nosso trabalho em sala de aula, os argumentos dos alunos dizendo que não sabem ler nem escrever. Ao ouvir essas mensagens negativas, percebemos que tal situação para ser resolvida depende muito de nosso esforço, de buscar estratégias que atendam essas necessidades dos alunos, assumindo um papel de mediador do conhecimento. É nesse sentido que pretendemos identificar as estratégias utilizadas pelos professores para trabalhar a leitura, identificar como os alunos fazem uso social da leitura e quais as suas preferências em relação à leitura. Assim, pretendemos deixar uma contribuição para uma reflexão e um repensar do educador de jovens e adultos em prisões, sobre a sua prática pedagógica, no sentido de auxiliá-lo na formação de cidadãos participativos em sua sociedade.
A metodologia utilizada para a realização do presente estudo foi a aplicação de questionário com questões abertas e fechadas entre professor e alunos/presos, de uma sala de aula do 1º segmento da EJA, da Escola Municipal de Educação Básica “Jescelino Reiners” e da Escola Estadual “Nova Chance”, que funcionam como salas anexas dentro do antigo Presídio do Carumbé em Cuiabá/MT, Além da observação de sala de aula, a fim de obter os dados descritivos relacionados à temática. A pesquisa se caracteriza como um estudo de caso e de análise qualitativa.

  1. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Alfabetização e letramento são processos interligados, porém separados enquanto abrangência e natureza, ou seja, caminham lado a lado, embora guardando diferenças entre si. O letramento é “continuum”. A alfabetização, além de ser um processo que leva ao aprendizado das habilidades da leitura, contribui para a liberação do homem e de seu pleno desenvolvimento. O letramento é mais do que alfabetizar, é ensinar a ler e a escrever dentro de um contexto em que a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.
Soares (2003) chama a atenção para a possibilidade de uma pessoa ser alfabetizada e não ser letrada. No Brasil encontramos pessoas que sabem ler e escrever, mas não praticam essa habilidade e alguns não sabem sequer preencher um requerimento. Como ocorre no contexto penitenciário com os detentos quanto chegam a Unidade prisional, que ao serem abordados por um servidor administrativo do cartório, onde realiza toda a sua investigação de dados de leitura corporal do sujeito/preso e quando lhe pergunta se sabe ler e escrever. A resposta de imediato é sempre que, sim, mas quando vão para a sala de aula a triste e excludente realidade é outra. São consideradas pessoas que são alfabetizadas e não são letradas. Porém, há aqueles que sabem como deveria ser aplicada a escrita, mas não são alfabetizados. Como se pode ver no filme Central do Brasil, alguns personagens conheciam a carta, mas não sabiam escrevê-la por não dominar o sistema da escrita. Como observamos no contexto da sala de aula no presídio, em que alunos/presos que dominam um pouco mais a escrita e sabem ler, possuem uma relação social de maior importância naquele contexto por escrever para muitos que lá estão os bilhetes (chamados de bereu), petições para a Vara da Execução Penal, cartas aos familiares e outros comunicados de comercialização dentro do presídio como mostra neste, uma cópia de texto do jornal que circula entre eles por nome “A Grade”.
Segundo Kleimam (1998), no ambiente de família letrada as práticas e usos da escrita são fato cotidiano, corriqueiro, inseparável de outros fatores e fazeres: a leitura do jornal como parte integrante do café da manhã; a redação de um bilhete ou a consulta a uma agenda como suportes da memória. O uso do texto escrito, nesse ambiente letrado, como fonte de informações permite que, antes de conhecer a forma da escrita, a criança conheça seu sentido e sua função. Para essa criança o processo de letramento se inicia no lar, contribuindo para o sucesso escolar, diferentemente de um ambiente onde a leitura e a escrita não estão tão presentes.
Assim, a entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa saber fazer uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para entrar no universo do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito de buscar jornal para ler, de freqüentar bancas de revistas, livrarias, bibliotecas e com esse convívio efetivo com a leitura e, assim, apropriar-se do sistema de escrita.


1.2  CONCEPÇÕES DE LEITURA E PRÁTICAS PARA O ENSINO

Nas últimas décadas, tomando como referência a partir de 1980, estudiosos de vários campos como a Lingüística, Psicolingüística, Sociolingüística, Análise do Discurso, entre outros, têm se detido em estudos sobre a leitura, apontando para o embate de concepções sobre o que é ler e sobre suas implicações para o ensino da leitura e atribuição de significados em relação às formas de aprendizagem do leitor em uma sociedade de cultura letrada, bombardeada pelos mais diversos tipos de informações.
Do ponto de vista do ensino aprendizagem, até então, a concepção de leitura se baseava nas abordagens tradicionais também chamadas de estruturalistas, as quais viam o ato de escrever como uma transcrição de fonemas; e o ato de ler como um processo instantâneo de decodificação dos fonemas, dos símbolos gráficos. O leitor se apresenta como um receptor de informações, limitado ao uso das regras gramaticais e ao uso do vocabulário.
Ao texto era dado um sentido, pronto e acabado, cabendo ao leitor apenas recuperá-lo de maneira linear e cumulativa, palavra por palavra. O autor era dono do sentido de seu próprio texto, o leitor apenas assimilava as idéias e as difundia e o professor/a fazia com que os alunos atingissem de “maneira correta” o sentido.
Os modelos estruturalistas de leitura são processos ascendentes, lineares, sintéticos e indutivos. Ancoram os métodos de alfabetização que se preocupam com letras, sons, sílabas para se chegar às palavras; estão nas propostas de leitura de textos, nas quais os questionamentos de interpretação exigem respostas óbvias, retiradas no texto numa seqüência linear, e estão presentes também na postura de professores que pedem a leitura oral do aluno com o objetivo de observar apenas a pronúncia das palavras, desenvolvendo unicamente o processo serial do ato de ler, descartando a construção do significado do que está sendo lido.
Porém, uma maior necessidade de acesso às informações através do texto vem proporcionar questionamentos da concepção de aprendizagem da leitura, amparada no modelo de codificação e decodificação, apontando para a necessidade de se formar leitores mais críticos. E os mecanismos adotados na escola para o ensino da leitura já se revelam insuficientes diante da multiplicidade de situações que surgiam com a exigência do uso da leitura social.
Diante desse contexto, conforme Barbosa (1994), no intuito de responder aos questionamentos que se evidenciavam, é a psicolingüística que vem apontar alternativas, estabelecendo novos parâmetros para um modelo de leitura que desloca o problema da análise da língua que se lê para uma análise do ato de ler. Dessa forma, a língua enquanto objeto de descrição e análise passa a ceder especo para as investigações de interação entre o leitor e o texto. Assim, para responder o que é leitura, a Psicolingüística
Vai focalizar o comportamento do leitor no ato de ler (o que faz o leitor quando lê), centrando suas contribuições na descrição e análise da natureza desse comportamento; na análise dos dispositivos e estratégias colocadas em ação pelo leitor para atribuir significado ao texto escrito; na descrição do funcionamento da língua escrita, enquanto objeto de uso (para ler) (BARBOSA, 1994, p. 89).

Essa concepção psicolingüística vem tratar a leitura como um processo não linear, mas dinâmico na inter-relação leitor-texto, levando o leitor, de acordo com seus conhecimentos lingüísticos, conceitual e experiências a formular suas hipóteses de leitura em interação com o texto, fazendo suas predições de acordo com as informações que estão sendo oferecidas no texto.
Kato (1997) defende essa visão interacionista por compreender que a leitura se processa na interação texto-leitor e num conceito mais novo, auto-texto-leitor. Entende a leitura como um lugar em que o leitor pode relacionar-se com o texto de forma dialética, buscando, assim, recuperar os seus sentidos, visto ser ele, leitor ativo, o ponto de partida para esta tarefa de ler, reproduzindo o texto do outro e criando o seu próprio, sua experiência artística e real.
A autora chama atenção para a prática de grande número de escolas que desenvolve uma excessiva preocupação em trabalhar a escrita e a pouca atenção dada para o desenvolvimento da leitura, achando que, se ensinar o aluno a escrever, ele aprenderá automaticamente a ler.
Na década de 1960, Paulo Freire foi o primeiro a denunciar as práticas do ensino alienantes da “educação bancária” (aquela em que, nos alunos, professores depositam conhecimentos, ou destes os sacam), inaugurando uma concepção libertadora de aprendizagem, marcada pela consciência e pela possibilidade de transformar o mundo. Nesta concepção, alfabetizar é garantir o direito de voz e ampliar os recursos de reflexão, razões pelas quais o ensino da escrita não se encerra no desenho da palavra, mas no seu significado.

[...] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. [...] De alguma maneira, porém podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE, 1983, p. 22)

O que significa tal postura na prática pedagógica? Significa superar o ensino da escrita como código e promovê-lo à condição de diálogo, assumindo o seu caráter político. Para isso, o mestre Paulo Freire propunha, em vez de aulas, “Círculos de Cultura”, encontros centrados na compreensão da realidade e no processo de politização. Em um contexto interlocutivo, o ensino partia de palavras geradoras colhidos no mundo dos alfabetizandos (por exemplo, “tijolo” para alunos que trabalhavam na construção civil), e evoluía na forma de verdadeiros temas geradores em prol da reflexão e da conscientização. A descoberta da escrita e o avanço capaz de torná-la algo do próprio sujeito estavam atrelados ao processo de formação do espírito crítico.

[...] sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador. Para mim seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica dos BA-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que tmbém não pudese reduzir a alfabetização ao ensaio puro da palavra, das sílabas ou das letras. (FREIRE, 1983, p.

Essas palavras apontam para Freire uma pedagogia voltada para o mundo e porque não dizer para a prática social desse mundo (o letramento).
São nas práticas sociais que a linguagem ganha sentido, assume valores e é reconhecida, o que põe em evidência as estruturas de poder da sociedade. Assim, o letramento traz consigo uma natureza ideológica que merece ser considerada tando na esfera social como nas práticas escolares.
E como diz o autor Batista (1991),

Uma concepção de leitura de interesse pedagógico deve considerar, portanto, não apenas suas dimensões psicológicas e linguísticas, apreendidas sob um ponto de vista abstrato e ideal, mas também a sua dimensão histórica e social, que permite, por um lado, compreender as prática efetivas e concretas do ato de ler e, por outro lado, situar, nessas práticas efetivas e concretas do ato de leitura, que é universalizado e apresentado, pelas investigações psicológicas e lingüísticas, como a leitura. (BATISTA, 1991, p. 35)
Assim ler um texto significa ler o próprio contexto em que se insere o leitor, ou seja, seu significado relaciona-se com sua própria história ou conhecimento de mundo. Nessa perspectiva, insere-se o pensamento de Freire (1987) para quem a leitura da palavra proporciona condições para ler o mundo, construir sentidos. Aprendemos a ler a realidade que nos cerca em nosso cotidiano social desde que nascemos. Nossa cultura nos transfere conhecimentos sobre a realidade e formas de representá-la. Aprender a ler o mundo é apropriar-se desses valores de nossa cultura.
Os autores, Peréz e Garcia (2001), tratam da leitura como ferramenta para compreender o mundo, concebendo que ler é interpretar e compreender ativa e criticamente uma mensagem por meio de um processo dialógico, indo ao encontro das experiências, das idéias prévias e do conhecimento do leitor, assim como das informações proporcionadas pelo texto e pelo contexto em que esse processo é realizado. Nesse confronto, o leitor efetiva múltiplas transações entre seus conhecimentos e as informações oferecidas pelo texto e pelo contexto cultural da leitura. Nesse sentido, acrescentam os autores:

A leitura como instrumento útil de interpretação cultural favorece a apropriação da experiência e do conhecimento humano em um processo diálogo, mediante o qual o leitor tem acesso de forma dialética a outras informações, pontos de vista, representações, versões, visões, concepções do mundo (...). Mas a leitura não é apenas uma ferramenta que permite ter acesso às diferentes maneiras de interpretar a realidade que o ser humano foi elaborando ao longo da história, mas, fundamentalmente, é um instrumento útil para aprender de modo significativo, assim como para aproximar os alunos (e todos os seres humanos) da cultura – ou múltiplas culturas -, para aumentar a própria cultura e, sobretudo, para desenvolver um tipo particular de raciocínio reflexivo. (p. 49)

Porém, essa leitura reflexiva só será adquirida por meio de leituras significativas que atendam às necessidades reais do leitor e se contextualize nas práticas sociais, ampliando-se, desta forma, as possibilidades de comunicação, de acesso ao conhecimento e de descoberta do prazer de ler. E a escola é a instituição responsável em manter em seu currículo mecanismos para que se façam o uso das funções sociais da leitura.
Na concepção das teorias sócio-políticas, a leitura é vista como instrumento de conquista de poder, especialmente, numa sociedade capitalista, dividida em classes tão antagônicas quanto à brasileira. Da mesma forma que a leitura implica em dominação, pode também ser um ato libertador, para que isto aconteça é necessário que a escola trabalhe a leitura de forma que desenvolva a consciência dos leitores para se tornar uma atividade provocadora, crítica, tomando consciência dos fatos que interferem na sua existência como ser social e político.
Nesse sentido, enquanto sujeito, ou seja, ao mesmo tempo receptor/interlocutor do texto, o leitor seria levado a tomar partido, agir criticamente diante do texto e esse movimento estaria dialeticamente relacionado com a forma de o indivíduo se situar no mundo. Por isso Paulo Freire (1987, p. 22) enfatiza que “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, transformá-lo através de nossa prática consciente”.
A leitura ou a prática da leitura nesse sentido apresentado pelo autor seria a base de seu projeto pedagógico. Trata-se de um projeto que pressupõe um objetivo específico: a emancipação do leitor através da conscientização do sistema onde se insere (no caso específico, o sistema penitenciário). Nesse sentido, o educador deve sempre assumir sua opção política e fazê-lo não só em termos de discurso, mas como prática, para que os educandos/presos possam conscientemente, posicionar-se.
Toda a concepção de educação e, conseqüentemente, de leitura do autor baseiam-se nessa premissa que é, prioritariamente, uma premissa política, que tem forte compromisso ético com a justiça social e a liberdade. Portanto, a prática da leitura, amparada em sua natureza eminentemente política, realiza uma função de libertar o homem de sua alienação e, a partir desse processo, promover a mudança social, num movimento que relaciona leitura e ideologia.

1.2.1     Estratégias de Leitura

Vivendo numa sociedade letrada, mesmo os jovens e adultos que nunca foram à escola têm conhecimento sobre a escrita e desenvolvem algumas estratégias para poder identificar preços de mercadorias que atendam as suas necessidade, de acordo com seu poder aquisitivo, lidar com receitas médicas, reconhecer as placas escritas, ônibus que devem apanhar. Na escola o professor deve criar situações de leitura em que os educandos possam extrapolar esses seus conhecimentos empíricos.
A leitura enquanto compreensão de um texto é uma faculdade que se caracteriza pela utilização do conhecimento prévio, isto é, o leitor ativa em sua leitura o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. De acordo com Kleimam (1998), esse conhecimento prévio é relativo a três formas de conhecimento: conhecimento lingüístico; conhecimento textual e conhecimento enciclopédico.
Kleimam (1998) pressupõe ainda que existam duas atividades relevantes na tarefa da compreensão como esforço para recriar o sentido do texto, ou esforço inconsciente na busca de coerência do texto: o estabelecimento de objetivos para a leitura e a formulação de hipótese.
Ao ser formulado um objetivo para leitura, há uma melhor interação com o texto, já que as atividades solicitadas para a compreensão são ativadas a partir de um propósito especifico. Além de auxiliar nessa ativação de estratégias específicas, o estabelecimento de objetivos também é fundamental para que o leitor possa formular hipóteses mais pertinentes sobre o que lê.
De acordo com Sole (1998), geralmente, a leitura em sala de aula segue um ritual seqüenciado, algumas vezes o professor primeiro faz a leitura para os alunos, depois pede que cada aluno em voz alta leia um fragmento, enquanto outros acompanham em seu próprio livro ou texto. Caso o leitor cometa algum erro, o professor corrige imediatamente ou pede para que algum aluno o faça. Após a leitura os alunos respondem diversas perguntas relacionadas ao conteúdo do texto, formuladas pelo professor. Em seguida, se preenche uma ficha de trabalho mais ou menos relacionado ao texto lido e que pode abranger aspectos de sintaxe, morfológica, ortografia, vocabulário e eventualmente, a compreensão da leitura.
O ensino de estratégias de leitura, como Solé (1998) o entende, deve-se basear em três idéias básicas:

1)     A idéia da situação educativa como um processo compartilhado, em que os papéis de professor e aluno revezam-se entre a figura e o fundo do todo que é a situação educativa. Neste tipo de concepção, nem o professor nem o aluno se apresentam como o centro do processo, mas como elementos indispensáveis do cenário educativo.
2)     A idéia de que o professor deve exercer uma função de guia ou orientador. Ele deve favorecer o estabelecimento do elo entre a construção individual pretendida pelo aluno e as construções socialmente estabelecidas, as quais são representadas pelos conteúdos escolares e objetivos específicos.
3)     A idéia de que os desafios do ensino devem estar um pouco além do que a criança é capaz de resolver sozinha. Ou seja, o ensino não deve esperar, como se acreditou e se acredita (a partir de uma má interpretação da Teoria Piagetiana), a prontidão do aluno para aprender.

Neste sentido, Sole (1998, p. 76) afirma que o “bom ensino não é apenas o que se situa um pouco acima do nível atual do aluno, mas o que garante a interiorização do que foi ensinado e seu uso autônomo por parte daquele.” Diante disto, a referida autora defende que o suporte dado ao aluno-leitor deve ser retirado progressivamente, até que ele alcance mais autonomia e possa controlar sua própria aprendizagem.

  1. ANÁLISE E RESULTADO DOS DADOS

Ao iniciar as atividades de leitura, a professora dos alunos da turma de alfabetização de EJA em prisões no Centro de Ressocialização de Cuiabá/MT. Apresenta o texto que irão trabalhar naquele dia, copia o texto no quadro de giz para que os alunos possam fazer a cópia e em seguida faz a leitura em voz alta. Após a leitura da professora, cada aluno lê um fragmento do texto e em seguida é aberta a discussão geral a respeito do entendimento da leitura.
Como na maioria das vezes os textos são copiados pelos alunos, por falta de recursos para reprodução, então procura trabalhar com textos pequenos. Mesmo sendo pequeno o texto, os alunos perdem muito tempo tirando do quadro.
De acordo com a fala da professora, costuma levar para os alunos textos variados, como informativos, literários entre outros. Porém, durante o período de observação em sala foram trabalhados textos sem a devida preocupação e preparação com o contexto e interesse dos alunos.
De acordo com o questionário aplicado com a professora, em relação à leitura, obtivemos o seguinte resultado:

Vida familiar e escolaridade
1.    Conte como foi sua infância e como foi o acesso a leitura?

Professor 1 (ex-preso)

“Olha com poucas palavras, a minha infância foi uma infância como qualquer outra criança qualquer, uma infância, tranqüila. Agora o meu acesso a leitura foi a partir de minha vida adulta. A partir dos 30 anos de idade. A leitura eu acho que a criança tem o acesso desde a infância, mas o interesse pela leitura foi na minha vida adulta. Já preso e encarcerado. E eu tive esse contato com a leitura no presídio do Pascoal Ramos. Eu lia livros de literatura, de filosofia, de história muito livro de história e o código penal. A leitura abriu um leque de conhecimentos eu tive muita vontade de voltar estudar pela leitura. Através daquelas pequenas leituras que eu tinha acesso no presídio num canto de uma cela eu tive vontade de voltar a estudar...”


Professora 2 (41 a)

“A minha infância... você não gostaria de saber não. A minha infância  não foi uma infância boa. Eu venho de um lar aonde o homem que mandava neh, ele falava e a mulher só obedecia e foi isso que aconteceu na casa da minha avó, onde o meu pai é meu avô e ele não se conteve só em ser o meu pai (avó e pai), então a escola era no sitio dele neh ! Então ali só estudava e dava aula quem ele queria. Isso no Paraná, interior do Paraná. Então lá nessa cidade quem mandava era ele, uma cidadizinha onde hoje nem sei se ela existe,na época ela tinha o nome de Feijão Verde. Ele (meu avô) não era nem um grande fazendeiro, mas era ipo um coronel da região, quando ele foi pra lá logico que ele tinha suas fazendas, porque aquela coisa assim: vai entrando e vai pegando, ele foi vendendo vendendo até ele fica com um sitio. Mas esse sitio tinha 10 (dez) de harqueiros. O importante que ele tinha la neh, voz com todo mundo. Todo mundo ouvia, então a minha infância foi só aquela coisinha ali. Ai estudei ate a quarta serie, pra mim continuar estudando eu tinha que andar 5 (cinco)Km. E ele não permitiu,ai eu já tinha meus treze (13) anos, mulher não podia, ate quando estava ali do lado da casa podia, porque a nossa casa era encostadinho da escola, terminou o estudo. Sai com os meus dezoitos (18)anos sai de casa. Porque ele queria ir embora pra Rondônia neh, e eu tinha comigo assim que ele queria proceguir a vida dele comigo. Tudo indicava que ele iria pro mato. Porque ele já estava querendo ir embora do Paraná, porque os irmãos dele já tinha descoberto ele, e meus irmãos falou que iria fazer isso...que iria mata-ló, porque ele usou (abuso sexual) a minha mãe, a irmã da minha mãe.Tipo assim eu sou filha dele, comigo minha mãe teve três (3) filhas com ele. E a única que vingou fui eu, ai então eu tive aquele medo, que chega-se em Rondônia ele iria fazer a mesma coisa então eu preferi sair de casa do que ir embora pra Rondônia. Tantos que os outros parentes irmãos da minha mãe todos foram menos eu. Ai a minha mãe não foi porque lógico que ela não me deixaria sozinha no Paraná. Ai foi aonde que eu fiquei ai depois mas ou menos um ano me casei, ai fui ter meus filhos ai já estava com meus vinte e dois (22 anos). De Feijão Verde eu vim pra Foz do Iguaçu divisa com Paraguai, em Foz do Iguaçu conheci o meu esposo nas baladas, nos bailes da noite, ai parei os meus estudos, ate entã fui trabalhar em casas de famílias, ate então nem podia pensar em estudar neh, eu fui cortada ali enquanto você esta naquele augio que queria estudar, então você esquece a historia de querer estudar. Ai nisso nos viemos embora pra Cuiabá, ai chegando aqui uma amiga resolveu voltar a estudar fazer aquele supletivo, aquele modular e ela me chamou .
Ai falei pra ela que nem havia passado pela minha cabeça em vltar em estudar, mas gostei da idéia neh, não custava nada, falei pra ela que não tinha documento nenhum aqui e pra mandar buscar em Paraná não tenho ninguém. Ai conversando vai e vem, comecei do zero, ai fiz de um a quatro em um ano, porque ali estava estudando só por causa dos documentos, precisava me formalizar, tanto que os meu documentos são todos de Cuiabá. Ai tive privilegio de estudar aqui no Tijucal, ai depois fiz Alina Emilia Ferreira da 5ª á 8ª série, ai terminei o supletivo neh, ai depois inventei de fazer o Magistério, estava no augio o magistério. Na infância não tinha acesso a leitura nm lembro se tinha cartilha, minha professora era a minha tia/irmã. Então não tínhamos contato com a leitura  só quando passamos pra Igreja Adventista foi a bíblia ( isso eu já com 12 anos).

2.     Você teve dificuldades para aprender a ler e escrever?

Professor 1 (ex-preso)
“Não. Não. (pausa)  Eu era gago e aprendi a ler e a falar preso (na prisão)”.

Professora 2 (41 a)

“Tive e muita dificuldade, tanto que eu sinto assim que eu tenho bastante falha ao pronunciar, escrever, tenho muito isso”.


3.     Que tipo de livros você tem lido ultimamente?

Professor 1(ex-preso)
“Jean Focanbert, Raquel Vilar, Michael Foucaut. Olha tem várias. Cada um assim que eu pego sempre da educação. Esse Michel foucaut no livro vigiar e punir. Olha... É um livro ideal”.

Professor 2
“Um caminho para Cristo, livro de gênero religioso, e o Pró-Letramento um livro do cursinho da Prefeitura, da secretária municipal de Educação”.


4.     Quais motivos te levaram a trabalhar como professor/alfabetizador neste presídio? Há quanto trabalha em prisões?

Professor 1
“As dificuldades que eu já conheço, se olhar para o aluno e dizer não este aqui é assim. Tinha aluno meu que escrevia o nome dele porque eu escrevia no quadro, mas quando eu perguntava para ele o que estava escrito ele não sabia. Eu escrevi no quadro JOÃO e ele não sabia que era o nome dele. Mas o preso que tem o crime como profissão...
Como você me buscou, você. Ia me buscar. A dificuldade antes era as grades hoje está melhor, hoje está fácil de ensinar.
A dificuldade eu sei, foi o que me fez voltar. O professor é um elo importande para o preso lá dentro com o mundo exterior. Não que o professor vai se vender não. O professor pode levar uma carta para a família orientar o aluno e estimular a estudar”.

“Há 01 (um) ano pelo Programa do governo federal. Há um ano eu venho trabalhando como alfabetizar pelo MEC – ALFASOL.”


Professora 2 (Dirce)
“Olha eu cai aqui, porque eu estava em casa e ma amiga me ligou falando: Dirce tem um espaço aqui pra Pedagoga trabalhar no CRC, você topa ? eu falei ta ai topo, não deixa de ser um desafio néh. E imediatamente já fui pra Nova Chance, ai entõ onde eu vim parar aqui. Então eu falo que caí porque não foi aquela coisa planejada, você entrega o seu curriculum e espera ser chamada, nada um da foram me chamam no outro dia já estava aqui.Então quando falo cai, mas é num bom sentido.”

“Esse foi o meu primeiro contato, por isso que falo que cai aqui, porque eu tinha vindo aqui acho que umas duas vezes, mas a muitos anos atrás, que eu vim pra fazer uma visita há um rapaz. Então fora disso não tinha contato com prisão”.

5.     Conte um pouco sua experiência como alfabetizador

Professor 1
“Olha a minha experiência como alfabetizador no primeiro ano eu fui assim uma pessoa que observei muito em tudo. Tentando aprender. Porque eu não quero ser um professor qualquer. Por isso que eu fui ler, fui estudar, eu quero ser um referencial vou atrás... Ora eu fui estudar Confusso. Eu me interessei em procurar e ir atrás de como alfabetizar. Que não é mágica, não é fácil ensinar uma pessoa a aprender a ler e escrever.  E depois disso ele irá sair do crime, não. Ele vai ter que querer é uma escolha difícil. E falo da minha experiência, eu já estive preso e eu sei. Falo do Franklin que faz faculdade na UFMT em Engenharia. Eu fiz a minha escolha. Eu soube usar o sistema ao meu favor. A prisão pra mim foi um mal necessário.”

Ele vai ter que ler para sair do mundo do crime. E exemplos... eu, Franklin e outros que já estiveram presos somente saíram porque fizeram uma boa escolha.


Professora 2 (Dirce)
“Olha tudo de bom, eu sempre falo assim:
Que trabalhar com criança, que nem o caso eu trabalhei muito tempo em creche, eu falo que trabalhar com criança é tudo de bom, porque vc sente que ele depende de você, pra tudo e trabalhar  com adulto só muda a idade, sabe e assim gratificante, trabalhando com ele, conversando com eles e você sentir na carinha deles a dificuldade pra entender uma coisinha tão simples que parece um monstro que esta aparecendo na frente dele, mas ai na conversa, na atividade você ver que alguma coisinhas eles estão conseguindo colocar ali na cabecinhas dele.Sabe tanto que ano passado tive alguns alunos que continuaram comigo, não quiseram ir pra quarta série, preferiram ficar comigo, isso ai também é muito gratificante”.

6.     O que é estar na prisão como professor(a)?

Professor 1
“A visão é diferente, eu não vejo o aluno como preso, vou ti dar um exemplo. Eu fiz o meu estágio no PET. E eu não olhei aquelas crianças como uma pessoa normal que não conhece o sistema prisional, não. Eu percebi que ali eles são tratado como pequenos marginais. Inclusive eu chamei a pessoa responsável e falei. Olha isso está errado vocês estão tratando essas crianças como pequenos marginais elas são crianças ainda.”

“Eu tô ali como professor e não como preso. Eu vou mudar essa situação de violência dentro da cadeia. Eu nunca aceitei violência na prisão como preso e agora eu não vou aceitar como professor. E eles tem que me respeitar e tem que me ouvir. Quem tá preso? Eu estive e hoje? Os que praticam a violência com os presos onde estão? Quem são? Estão presos. Eles estão presos em seus problemas.”


Professor 2 (Dirce)
“Lá fora sou vista como uma louca, porque trabalhando num presídio não passa de uma louca. Mas aqui é onde você leva um pouquinho o mundo de fora lá pra eles, onde você leva um pouquinho de esperança, onde você leva um pouquinho do ensino, que nem eu falo pra eles:
Se vocês não aprenderem nada, mas aprenderem a tabuadaque vocês trabalham todos os dias no dia a dia da vida de vocês, me sinto realizada, porque eles encontram tanta dificuldade na tabuada que da dó sabe. E na leitura também,mas na tabuada você sente que eles não querem a tabuada. Mas ai tento explicar pra eles que aonde eles estão, ele vive é a tabuada que é tudo medido”.

7.     Como é o seu convívio com os detentos?

Professor 1
Excelente! Graças a Deus! Eu já estive ali. (risos)

Professora 2 (Dirce)
“Muito bom, muito bom, porque como disse neh, a gente sente a necessidade de conversar que não é todo dia que eles querem aula. Que nem eles mesmos dizem: Professora eu estou aqui na sala, porque quero sair um pouco da cela. E você percebe que ali de dez (10) um (1) quer estudar, a maioria quer só sair um pouco da cela, então se você sabe disso, você vai encher o quadro lá?
Pra que? Eles falam que nós temos essa aparência que eles são livres aqui dentro, só que eles não tem nada de livre. Os dirigentes deles massagram eles, os dirigentes são os presos que são evangélicos dentro das alas que são pastores, obreiros. Ali se você não obedecer eles pegam você ali na hora, então você é obrigado a obedecer, não se trata de você querer. Então quando fala que é para ir pra sala de aula, ai o dirigente não diz NÃO. Então eles tem essa liberdade ai de poder sair, e a maioria fala: Professores se eu quero ir na enfermaria eles não deixam sair, então eu espero a hora de vim pra escola ai eu vou na enfermaria. Então essa coisinha liberdade aqui dentro eles não tem. Que nem eles falam aqui que nos como professores vejamos aqui diferente de totalmente é, quanto que eu tenho um aluno que ele quer ir pro Pascoal Ramos. Porque lá no Pascoal Ramos ele conversa com a família dele todos os dias, tem vários orelhões que é um direito deles lá eles não se preocupam muito com celular, porqe tem um orelhão. Então você vai la e fala em torno de 3 á 5 minutos com a família. Então ele acha isso muito bom, ele fala professora eu quero e preciso falar com a minha família e hoje j tem mas de meses e eu não sei nada de ninguém, que nem ele mesmo fala que a família dele mora longe, não pode vim e é o caso de muitos que eles são do estado, mas não de Cuiabá, ai não tem como a família ficar vindo toda semana. Outros são de outros estados os que mais tem a familia de outro estado. Eles falam que precisam de um telefone, não estão falando de um celular,um orelhão ter o privilegio de poder ligar, que nem esses dias um aluno meu, ele me chama de abençoada, porque ele fala que manda vários recadinhos aqui ele precisa falar da situação dele e nada, pra Sub-Diretora e todo dia ele mandava e ninguém chamava ele. Ai ele me deu uma, ai eu falei olha eu não garanto que irei entregar nas mãos dela,mas eu garanto que entrego na mesa dela e exaamente foi isso que aconteceu, fui la na sala dela e ela não estava, deixei na mesa. Ai ele fal que na mesma semana ele foi convidado, chamaram ele pra ele ter assistente social e nisso ele ja foi pro fórum ele fala que a vida dele ta em caminhado. Então ele fala que eu sou abençoada por um bilhete simples. É o direito de ser ouvido”.

8.     Você participa com frequência de cursos, congressos ou eventos ligados à alfabetização de jovens e adultos?

Professor 1 (ex-preso)
Rowayne, a princípio não. Eu participo muito relacionado a ressocialização, mas agora eu vou ter mais tempo e participarei.

Professora 2 (41 a)
“Sim, amo participar, tanto do ano passado participei de todos, do Hotel Fazenda Mato-Grosso, organizado pela Seduc, na formação Hotel Global Guarden e o outro no próprio Seduc”.

9.     Você já ouviu falar em letramento?

Professor 1 (ex-preso)
Já.

Professor 2 (41 a)
“Já é o que mais a gente ouve ultimamente, nos cursinhos que nós fazemos, pela prefeitura”.

10.  O que é ser letrado para você?

Professor 1 (ex-preso)
É aquela pessoa que sabe escrever uma carta, mas não consegue colocar no papel (risos).

Professora 2 (41 a)

É aquele que sabe falar bonito, que entende a gramática do português acho que isso que é ser letrado pra mim, agora letrado para a alfabetização no letramento é ali a criança saber o que esta escrevendo, ela ter consciência do que ela esta escrevendo.

11.  O que é alfabetizar?

Professor 1(ex-preso)
“Olha hoje se vc. Me perguntasse isso há um ano atrás eu não sabia, mas pra mim alfabetizar é fazer ele gostar da leitura e da escrita e ele entender, aí eu to alfabetizando. Eu vou fazer ele gostar. Eu sou contra ensinar o que ele não faz. Eu nunca ensinei os meninos a ler vovô, vovó, não. Eu vou escrever pra ele coisas que ele caiu dentro do presídio, no cotidiano dele. Ele usa droga? Eu vou escrever pra ele DROGA. Eu não vou escrever pra ele coisas lá de fora. Ele precisa escrever coisas do cotidiano dele. Um ator de novela (nome).  Eu não vou escrever para ele PATO. Não. (risos) Um dia eu escrevi FACA no quadro e um aluno me disse: Oh professor não me recorde (risos). Porque ele tinha caído com 7 facadas que ele tinha dado na namorada. E falou que tinha sido suicídio (risos). Tem que fazer o aluno gostar de ler e escrever, senão não vai.”

Professor 2 (41 a)
“Transmitir um pouco de conhecimento para o outro, poder transmitir... eu falo assim: que eu sei um pouco entao eu tento ensinar o pouquinho que eu sei para os meus alunos,então alfabetizar é transmiti rum pouquinho de conhecimento  lógico q eu gostaria de dar mas, mas eu faço o q eu posso, gosto de fazer isso de alfabetizar é bom demais você saber que esta transmitindo algo ali pra alguém e que alguem ta aprendendo. É muito bom quando você transmiti algo pra eles e depois eles vão lá no quadro e falo professora e não sabia disso. Ai eu falo por isso que você esta nessa sala, então se você esta ai é porque você não sabia. Então alfabetizar é bom demais é transmitir conhecimento”..


12.  Para você o que é letrar um aluno?

Professor 1 (ex-preso)
Eu acho que letrar é o complemento. A leitura interpretativa.

Professora 2 (41 a)
“Transmitir conhecimento”.

13.  Qual é a metodologia de alfabetização seguida por você? Explique,por favor.

Professor 1 (ex-preso)
Ah! Inovadora é uma linha de estudo que ele também vai dar a opinião dele. Professor como é isso aqui? Essa palavra está certa? E os livros são fora da realidade são livros para meninos não para homens como os que estão presos.

Professora 2 (41 a)
“A metodologia que a gente mas usa é a pratica, A PRATICA DO DIA A DIA EU GOSTO DE DAR ALA DE MATMATICA E sempre falo pra eles que é uma coisa que vai pro resto da vida de vocês, mesmo você aqui dentro você as a matemática, ai quando eu vou no português você quer escrever um bilhete pra sua mãe,sua namorada ? Português você precisa saber o que esta escrevendo ”.


14.  Qual é a concepção de ensino que ampara sua prática como alfabetizadora? Você se julga uma alfabetizadora que ensina numa concepção tradicional ou sócio construtivista?

Professor 1 (ex-preso)
Eu acho que as duas são importantes, mas eu acho que eu sou mais sócioconstrutivista. Você tem que ter um pouco também do tradicional, mas tem que ser inovador.

Professora 2 (41 a)
Paulo Freire. O tradicional é aquele que você tinha que decorar, por mas que eu fale que as pessoas só aprendia mesmo quando decoravam, mas isso depende de aluno por aluno. Na sala de aula sou mais o socioconstrutivista do que o tradicional.





CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje em nossa sociedade contemporânea saber ler e escrever não bastam, é preciso saber fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriando-se da função social dessas duas práticas para atender as demandas colocadas por esta sociedade. Daí a importância da alfabetização como prática do letramento para que proporcione aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades, competências e habilidades diversas, contribuindo para que eles se envolvam com as variadas demandas sociais de leitura e escrita em seu cotidiano social e cultural.
Logo, as experiências por mim observadas no Centro de Ressocialização de Cuiabá, nas salas de alfabetização da EJA em prisões somente contribuem para um fazer pedagógico e educação crítica com mais afinco por parte de muitos educadores em nossa sociedade tida como liberdade e/ou livre.
                                                                                                                              


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA, Antonio Augusto G. Sobre a leitura: notas para uma concepção de leitura de interesse pedagógico. In: Em aberto, Brasília, ano 10, n. 52, out./ dez. 1991.
KATO, Mary. O aprendizado da Leitura. Saão Paulo, Martins Fontes. 1985.

KLEIMAN, Ângela B. Ação e Mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação 1998 in: Alfabetização e Letramento (org.) Roxane Rojo, Campinas, São Paulo: Mercado de Letras.

FREIRE, P. A importância do ato de ler e três artigos que se complementam. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1983.
PÉREZ, F. C. & GARCIA, J. R. Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6ed. Porto Alegre: ArTmed, 1998.



[1] Mestrando em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT.
[2] Orientadora: Profª Pós-Doutora em Educação do PPGE/UFMT.

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